SVEIKS! COM A GUERRA NÃO SE BRINCA

Dizer «Com a guerra não se brinca», e depois fazer precisamente o seu contrário, é o verdadeiro nó irónico e motor trágico da peça e do espetáculo: denunciar a guerra através do jogo, ridicularizá-la com o mesmo vocabulário que ela usa para se legitimar.

Em agosto, o Jardim da ACERT acolhe esta comédia Negra sobre o absurdo da guerra com interpretação de Afonso Cortez, Helena Macedo, Leonel Parreira, Mia Henriques, Rui Pisco e Sofia Cunha.

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SVEIKS! – Com a guerra não se brinca!

Assim mesmo, como uma interjeição – estupefacta e irónica – diante do absurdo da guerra. SVEIKS! é uma tragicomédia corrosiva que mergulha no legado da violência militar e na lógica da obediência cega. Inspirado na figura mítica do bom soldado Švejk, de Jaroslav Hašek, e ecoando o universo satírico de obras como Catch-22, de Joseph Heller, o espetáculo convida o público para uma jornada absurda e profundamente humana pelos subterrâneos da guerra – e das raízes que a alimentam.

Três gerações, três tempos históricos – passado, presente e futuro – cruzam-se num espaço cénico feito de trincheiras, salas de estar e quartéis domésticos. Sveik Neto ensaia uma versão atualizada do avô: mais alheado no início, mais desiludido no fim. O seu Amigo expõe a fragilidade dos moralismos absolutos e como estes se desmoronam perante a ameaça à segurança ou ao conforto. O Pai encarna a infantilização da vida militar, com disciplina grotesca e ridícula. O Avô, veterano e cínico, guia-nos pelo universo satírico de Hašek e deixa a inquietação de quem sobreviveu para contar — sem saber como. Juntos, constroem uma genealogia da obediência acrítica, onde se alternam fidelidade, dúvida, ridículo e insubmissão. Em contraponto, as vozes femininas expõem, com lucidez e resistência, o custo invisível da guerra nos corpos, nas casas e nas palavras.

A linguagem é simultaneamente poética e grotesca. O humor, arma e escudo. Através de cenas fragmentadas e ecos históricos, a peça revela como a guerra se infiltra no quotidiano: nas relações familiares, na linguagem da autoridade, nos rituais patrióticos, nas decisões que tomamos sem pensar. A guerra deixa de ser exceção para se tornar sistema — um modo de funcionamento da realidade.

“Com a guerra não se brinca!” – diz o título. Mas esta peça fá-lo, precisamente, para a desmontar. Ao pôr a nu os mecanismos de autoridade e exclusão, SVEIKS! recusa glorificações fáceis e confronta a cultura que normaliza a violência. Não se limita a denunciar a guerra: questiona a natureza humana que nela se revê — e que a repete.

Este espetáculo nasceu em residência artística e co-produção com a ACERT, em Tondela. Só a generosidade dessa casa — e da equipa que a mantém viva, resistindo à erosão da descentralização com paixão e rigor — tornou possível transformar em cena o que, durante muito tempo, parecia apenas fragmento ou desejo. Foi esse acolhimento – onde a escuta, o cuidado e a partilha coexistem com a exigência – que nos deu alento para continuar, mesmo em condições frágeis. A ACERT lembrou-nos que também o teatro precisa de um abrigo: um lugar onde os medos se dizem em voz alta e as fragilidades se transformam em matéria criativa. Foi esse abrigo que nos permitiu concluir este espetáculo — e o seu texto — em tempo recorde, sem nunca prescindir da lucidez.

Tiago de Faria

Ficha técnica e artística:

Direção Artística: Tiago de Faria 

Texto: Tiago de Faria

Música: Kurt Weil

Desenho de Luz: Paulo Neto

Design: Catarina Pisco 

Elenco: Afonso Cortez, Helena Macedo, Leonel Parreira, Mia Henriques, Rui Pisco e Sofia Cunha

Execução Técnica: Rui Sérgio 

Apoio à Produção: Trigo Limpo Teatro ACERT

Direção de Produção: Paula Coelho 

Espetáculo criado em residência artística no Novo Ciclo ACERT