01 jan , 1994
SÁB
fora de cena De Faca & Alguidar Trigo Limpo teatro ACERT
01 jan , 1994
SÁB

fora de cena

Calendarização

01 jan
sáb
01:00
1994
Tondela  (Novo Ciclo ACERT)

De Faca & Alguidar

Trigo Limpo teatro ACERT

O “faca” constituiu,a diferentes níveis,uma experiência inovadora. A escolha de textos de humor negro de um autor nacional,e a sua adaptação teatral; o descobrir de tempos e formas de interpretação, com ritmos e objectivos que sublinhassem as intenções humorísticas; a construção de um objecto teatral, com várias leituras plásticas e funcionais que correspondessem aos vários quadros; a ligação musical das histórias com o trabalho interpretativo, e a exploração da magia; a desmultiplicação de personagens, com caricaturas bem definidas, e com identidade, para cada uma das situações retratadas teatralmente; a utilização rigorosa da iluminação e de efeitos cénicos.
Tratou-se de uma experiência esteticamente nova, que permitiu a conquista de novos públicos, e alargamento do universo experimental a abordagens cénicas que ainda não tinham sido exploradas.

Cadernos de Teatro Faca & Alguidar

Cadernos de Teatro ACERT

Calendarização

01 jan
sáb
01:00
1994
Tondela  (Novo Ciclo ACERT)

Ficha técnica e artística

Estreia Dezembro 1994
Novo Ciclo ACERT, Tondela

Texto a partir de textos de Santos Fernando
Adaptação e encenação José Rui
Cenografia José Tavares, Paulo Leão
Iluminação Luís Viegas
Figurinos José Rosa
Costureira Felicidade Café
Construção cenográfica Luís Viegas, Pompeu José
Serralharia Eduardo Balão
Carpintaria Silvio Neves
Apoio de montagem Manuel Matos Silva
Música e direcção musical Carlos Clara Gomes
Músicos (estúdio) Adelino Soares, Carlos Peninha, Augusto Cameirão, Manuel Rocha
Direcção vocal Eduardo Aurélio
Promoção e secretariado Luís Carmo Marta Costa
Tesouraria Irene Pais
Fotografia Carlos Teles
Direcção gráfica José Tavares
Elenco Carla Torres, José Rosa, José Rui, Pompeu José e Raquel Costa


Excerto do texto

Nunca Se Embriagou
(Cenário com porta de perfil. No exterior, homem, Marido, despede-se com um “boa noite” rotineiro do
amigo que o acompanha. Quando vai a abrir a porta com a chave que tirou do bolso, tomba no chão em frente da porta. O Amigo corre para ele, verifica a batida do coração. Aflito, bate à porta. Aparece Esposa que entreabre a porta. Marido está deitado na soleira e o Amigo tenta soerguer-lhe a cabeça.)
AMIGO - Não está embriagado. (Esposa lança o queixo para a frente e rasga a boca numa careta má. Amigo repete:) Não está embriagado.
ESPOSA - Isso desconfiava eu, que não estivesse. Nunca se embriagou. E o facto de se não ter embriagado também hoje traz água no bico. (Enche os pulmões de ar e bufa.) É um disfarce, um subterfúgio. Diga lá, ande, se conhece um homem que nunca se tivesse embriagado, pelo menos uma vez. Não pode conhecer. Não existe. Ou, melhor, existe, esse imbecil que aí está estendido.
AMIGO – Há casos...
Esposa - Casos? Chega-se às duas e trinta e cinco da manhã sem estar embriagado, e há casos? (O amigo tenta demonstrar que sim.) Que é que eu devo pensar? (Amigo vai para falar, mas a mulher antecipa-se.) Cale-se! Você é outro que tal. Tão semelhante que também não está embriagado, apesar de serem duas e trinta e cinco da manhã.
AMIGO - Às “duas e trinta e cinco da manhã”, nem todos estão embriagados. A maioria dorme, a maioria sonha. Mas a grande maioria vive.
Esposa - Às duas e trinta e cinco da manhã, pois então! E um imbecil desses aí esparramado como uma marmota podre. Não é homem, não é nada!
AMIGO – (Num suspiro, olhando Marido que tem nos braços.) Nada!
ESPOSA – (Toca, enojada, com a ponta do pé na barriga do marido e pergunta ao Amigo:) Que pode fazer uma pessoa decente, na rua, às duas e trinta e cinco da manhã? É ele um guarda-nocturno? Um gatuno? Um porteiro de cabaré? Nada de nada. É um imbecil. (Olha desprezivelmente o marido, depois dirige-se ao amigo.) Porque não se mexe ele? Porque está deitado? Nunca se embriagou. Nem hoje nem nunca. Traição. Verdadeira traição. E a vítima? Quem é a vítima? Eu, pois claro. Quem queria você que fosse? (Dramática). Oh!...Como eu tenho pena!
AMIGO - Pena de quê?
ESPOSA - Pena de não ter filhos. Havia de levantá-los a todos: “Andem, venham ver o vosso pai! Às duas e trinta e cinco da manhã, caído à porta e sem estar, sequer, embriagado!” (Uma luz acendeu-se na janela da vizinha, vendo-se um rosto que espreita. As lágrimas surgem nos olhos do amigo, quando ao deixar a cabeça do Marido, esta tomba para o lado. Estendido e inerte, o Marido está agora bem iluminado. Tem a expressão calma e satisfeita de quem se liberta de um grande peso.)
Porque não se mexe ele?
AMIGO – (Preparando-se para sair.) Porque está morto!
(A mulher passa a língua medonha pelo lábio superior, soltando uma gargalhadinha curta.) ESPOSA - Morto, um imbecil destes! Morto, às duas e trinta e cinco da manhã! Estendido na rua, sem estar embriagado. (Amigo desaparece. Esposa vendo que o seus desabafos deixaram de ter audiência, sai para a rua. Olha a luz na janela da vizinha que, num repente, a apaga. Espreita para um lado e para o outro. Olha o Marido morto no chão e remata) O que vale é que o camião do lixo passa às nove. (Empurra cabeça do marido para fora da porta, batendo com a porta na cara de um e na alma do outro.)

excerto do texto “De Faca & Alguidar”


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